03/01/2010

Piratas, flibusteiros e banqueiros



Por Franklin Cunha*


John Locke (1632-1704), filósofo inglês e ideólogo do liberalismo, é considerado um dos principais teóricos do contrato social. No seu Segundo tratado sobre o governo civil, expõe sua teoria do Estado Liberal e da propriedade privada.

Henry Morgan (1635-1688 ) foi um corsário inglês que, associado ao pirata holandês Eduard Mansvelt, formou uma companhia de flibusteiros que realizaram inúmeros e devastadores saques às colônias espanholas da América. Quando Morgan governou a Jamaica, as instruções acerca de como governá-la foram escritas por Locke. A união Locke-Morgan historicamente sustentada não deve causar nenhum arrepio ético às consciências neoliberais, pois a associação da coroa inglesa da época com a pirataria marítima era procedimento escrito e contratado sob a proteção do conhecido lema da Ordem da Jarreteira Honni soit qui mal y pense, a mais prestigiosa do Reino Unido e cujo Grão-Mestre é o Monarca da Inglaterra. Portanto, longe de nós pensarmos mal de uma associação de tão nobres patrocinadores com tão benéficos e lucrativos resultados.

Piratas e flibusteiros, personagens ao mesmo tempo heroicos e cruéis que tanto matavam como morriam, foram parte essencial do processo de acumulação capitalista e agentes que as companhias comerciais da Inglaterra adotaram para se beneficiar dos resultados dos descobrimentos espanhóis e portugueses. Assaltar e roubar os galeões carregados de ouro e prata dessas duas potências marítimas proporcionou uma enorme acumulação de capitais que deram origem à revolução industrial, à criação de instituições básicas do capitalismo (bancos, bolsas, ações) e a elaboração das bases teóricas da economia liberal.

Para se ter uma ideia, o embaixador mexicano Guaicaipuro Cuatemoc junto ao FMI informa constar no Arquivo da Índias Ocidentais que somente entre 1503 e 1660 chegaram à Espanha 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de prata provenientes da América. E que se fossem cobrados nesses últimos 300 anos juros de 2% anuais (e não 20% como o FMI cobra), não haveria riqueza em toda a Europa para pagar tais saques.

Os espanhóis e portugueses arrancavam os preciosos metais das minas com trabalho escravo, e seus galeões eram saqueados pelos bergantins piratas que os limpavam de cabo a rabo. E por que a Espanha não teve piratas? Por que não teve capitalismo. Então, qual a finalidade do ouro que os espanhóis transportavam nos galeões? Criavam indústrias, máquinas a vapor, proletários, greves, cidades? Nem sabiam o que era isso. O que a nobreza espanhola comprava na Inglaterra eram refinadas opulências para o gozo dos gran señores ociosos. Onde se vive para o gozo não há produção nem trabalho, e onde não há produção não há capitalismo. Então, os piratas roubavam ouro destinado ao gozo e os jogavam na bolsa de Londres, na produção industrial. Ao lado de um galeão espanhol, um bergantim pirata significava o progresso econômico.

Os piratas de ontem, hoje se transformaram em agentes financeiros que, não a bordo de um bergantim de guerra, mas sentados frente a um computador manejam riquezas enormes, incontroláveis e agressivas, as quais jogam continentes inteiros na miséria, na destruição da natureza, na guerra.

O capital, disse certo redivivo “filósofo da práxis”, vem ao mundo respingando sangue e lodo. E agora, trazido por neopiratas e neoflibusteiros.


* MÉDICOFonte: click RBS
Para os que defendem a "ordem estabelecida" ou condenam qualquer "perturbação da ordem" vale lembrar que esta ordem foi estabelecida em cima da pilhagem, de assassinatos e crimes contra a humanidade e na maioria das vezes com o consentimento ou a mando da Santa Igreja.

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