21/04/2008

Religiões na mídia, por Ir. Lédio de Jesus Matias*



Está cada vez mais difícil em nosso país ver televisão, ouvir rádio ou ler um jornal sem nos perguntarmos a qual denominação religiosa pertence esse programa ou meio de comunicação.

Milhões são gastos diariamente em programas e materiais de cunho religioso. Não quero entrar no mérito da origem desse dinheiro e do quanto ele poderia ser aplicado em outras ações, bem mais meritórias, e quanto bem ele poderia fazer, se bem aplicado.

Sei que estou tocando num assunto polêmico e de difícil abordagem, visto que, como se diz em ditados populares, religião, futebol e política não se discutem. Como cristão, e formado em Teologia, eu deveria me sentir feliz e orgulhoso em ver Jesus Cristo sendo tão anunciado e propagado como está sendo atualmente.

Mas, na verdade, eu me pergunto: Será que Jesus Cristo, do qual conhecemos bem as características, simples e silenciosas, de anunciar Deus, seu Pai, está feliz e é dessa forma que quer ser anunciado? Será que ele se sente bem sendo exposto diariamente por diversas opções religiosas como um mero produto de venda e consumo, para satisfação e gozo pessoal? Será que ele se sente bem em ser apresentado como a solução de todos os problemas?

Acredito que até aqueles que, em tempos passados, anunciavam o fim das religiões e da fé cristã estão surpresos e com dificuldade de entender e explicar essa avalanche de programas religiosos que estamos presenciando.

O Cristo da Bíblia que conhecemos não gostava de ser usado e apresentado dessa forma pelos seus. Ao ver o templo de sua época sendo utilizado indevidamente, como lugar de vendas e de exposição errônea da fé, sentiu ira e mostrou-se inconformado com tal fato.


Ele preferia sempre anunciar e fazer suas pregações nas casas de famílias e nos lugares pobres e, quando percebia que era procurado apenas pelos milagres que realizava, evitava se utilizar disso como um trunfo e procurava se afastar para lugares desertos.

Com certeza, a Bíblia é farta de vários outros exemplos bonitos de condutas de Jesus, que viveu sua vida toda fazendo o bem, acolhendo crianças, coxos e paralíticos. Todos esses belos exemplos de vida nos fazem pensar seriamente se esse bombardeio do uso do seu nome é realmente a forma mais adequada e evangélica de se fazer.


Temo que toda essa exposição exagerada da fé cristã possa se tornar algo tão comum e banalizado que as pessoas já nem se dêem mais conta do quanto deve ser sagrado e divulgado com respeito e cuidado o nome e a pessoa de Jesus Cristo.

Diante de tantos convites para abraçarmos uma determinada fé em detrimento de outra, é difícil não ficarmos na dúvida de qual será mesmo a verdadeira denominação religiosa que temos que seguir.

Por isso, finalizo este texto ousando recordar aos líderes religiosos de nossas igrejas cristãs o versículo bíblico em que o próprio Cristo reza pela unidade dos cristãos, dando-nos a entender que não há sentido nenhum em ficar disputando fiéis para suas fileiras, sem levar em conta a forma e o jeito de fazê-lo: "Pai Santo, guarda-os em teu nome, o nome que me deste, para que eles sejam um, como nós somos um" (Jo, 17,11).

Almejo, assim, que busquemos acima de tudo, independentemente de nossas crenças ou convicções religiosas, fazer sempre o bem, tornando esta casa em que vivemos um lugar mais digno e humano para todos.


*Teólogo e pedagogo, mestre em Educação


Fonte Jornal Zero Hora edição de 20 de abril de 2008.

10/04/2008

Pasto universal do reino de Deus

Aedes = desagradável + aegypti = Egito. Proteção divina contra dengue.

Você receberá um cálice com o óleo santo para que todos sejam livres desta epidemia.


O endereço não deixa dúvidas. Catedral Mundial da Fé, na av. Dom Hélder Câmara, digo, av. Suburbana, Rio de Janeiro. Caso seja eleito, não é improvável que Marcelo Crivella tente revogar decreto do ex-prefeito Luis Paulo Conde para devolver à avenida seu antigo nome.


Água benta do rio Jordão, rosa milagrosa, sal abençoado, campanha para trocar o anjo da guarda, lenços ungidos... Não há limites nos expedientes usados pela Igreja Universal para atrair mais pessoas. Qualquer pessoa com conhecimentos bíblicos elementares pode discorrer sobre a falta de embasamento nas Escrituras para a maioria das práticas da denominação. No entanto, a igreja tem sido agressiva nas retaliações e, como resultado, poucos ousam questionar as táticas da organização.


Classificada pela Veja como “a empresa que mais cresce no país”, a Universal é tema controverso até entre os pesquisadores. Para Andeers Ruuth, ela pode ser definida como “Igreja de Supermercado”. O cara vê a placa “pare de sofrer” enquanto passa pela rua, entra no templo, assiste à reunião, dá uma oferta (momento mais importante) e vai embora.



Eduardo Refkalefsky e Cyntia Lima discordam. Para eles, pastores e obreiros trabalham com o intuito de transformar o freqüentador esporádico em fiel assíduo e, claro, dizimista. Seja qual for o trabalho acadêmico, todos concordam num ponto: a ênfase na grana. Para entender um pouco melhor a questão, é necessário voltar aos primeiros passos da caminhada de Edir Macedo no evangelho.



Durante doze anos, ele foi membro atuante da Igreja Pentecostal de Nova Vida, comunidade emergente na década de 60 fundada por Robert McAlister. Segundo relatos, o missionário canadense era tão convincente na hora das ofertas que era comum as pessoas doarem até o dinheiro da passagem do ônibus de volta.
Em seu livro “Dinheiro: Um assunto altamente espiritual”, McAlister revela seu modus operandi: “Durante mais de 25 anos tenho assumido o púlpito com duas coisas preparadas: minha mensagem bíblica e o apelo para as ofertas. Sempre soube que nenhuma das duas pode ser improvisada, resultando quase sempre a improvisação em fracasso”. Macedo foi um bom aluno e hoje tem, digamos, uma espécie de “Livre-docência” na área.


“Antes” e “depois”


Ao menos por um instante, vou deixar Maquiavel quieto e afirmar com indisfarçável satisfação que a Universal é uma das comunidades mais acolhedoras do segmento evangélico. Calcula-se que o exército de obreiros no país tenha mais de 500 mil integrantes. Travestis hipermaquiados e pessoas humildes malvestidas são tão bem-recebidas nos templos quanto uma perua que pisa seus sapatos Prada em outra igreja neopentecostal. Com mais de seis milhões de membros, a igreja tem um histórico enooorme de vidas transformadas, especialmente nos extratos marginalizados.


Com perdão pelo clichê, é possível afirmar que a Universal foi um divisor de águas no protestantismo brasileiro. A igreja completou 30 anos em julho do ano passado e construiu um império de comunicação com 23 emissoras de TV e 40 de rádio. Reportagem da Folha de S.Paulo que provocou uma enxurrada de processos orquestrados revelou que a holding macedônica tem ainda outras 19 empresas registradas em nome de 32 membros da igreja, na maioria bispos.



A ascensão da Universal promoveu no Brasil um matrimônio quase indissolúvel. Após seu crescimento vertiginoso, o termo “dinheiro” com freqüência vem à mente quando alguém ouve a palavra “evangélicos”. Pelo mesmo raciocínio simplista, pastores são confundidos com charlatões. Várias igrejas chamadas “tradicionais” tiveram de alterar o discurso na hora de recolher dízimos e ofertas para não serem confundidas com a denominação que mais deslustrou a imagem do rebanho verde-amarelo em toda a história. Pesquisa do Vox Populi de 1996 mostrou que a IURD é a mais desaprovada das grandes instituições brasileiras, com apenas 17 % de aprovação. O índice é menor até que o do Congresso Nacional. Fogueira nada santa.


Meu coração era preto


Alguns episódios contribuíram para enodoar o prestígio da Universal. Em 12 de outubro de 1995, o então bispo Sérgio von Helde cismou de dar chute numa imagem de Nossa Senhora Aparecida em pleno feriado da Padroeira. As imagens transmitidas na noite seguinte no Jornal Nacional provocaram um verdadeiro deus-nos-acuda. Trocadilho à parte, não houve socorro divino capaz de consertar a pisada na santa, digo, na bola.


O prejuízo doeu numa parte extremamente sensível da denominação: o bolso. Grandes anunciantes cancelaram contratos com a TV Record e houve queda no número de freqüentadores, especialmente no México e na Espanha. Segundo Macedo, von Helde atrasou o trabalho da igreja em dez anos. Em 2006, ele saiu da Universal em razão de novos chutes, desta vez no sentido figurado. Após ser punido por maltratar outros pastores, ele se desligou da igreja.


No final do mesmo ano de 1995, a TV Globo exibiu também no Jornal Nacional o vídeo que mostra momentos de descontração de Macedo e alguns pastores. Após uma partida de futebol, o líder da Universal ensina como pedir ofertas e inscreveu nos anais da trajetória do rebanho a indefectível expressão “dá ou desce”. Nem o sabonete de arruda foi capaz de retirar a mácula na imagem da instituição e até hoje o vídeo é hiperacessado no YouTube.


A guerra aos umbandistas é uma das grandes e controvertidas marcas da Universal. Ao mesmo tempo que combate as religiões afro, se apropria não apenas de expressões do dialeto do candomblé, como coloca os pastores de roupa branca nas chamadas “sessões de descarrego”. Após inúmeros protestos e processos, o grau de beligerância arrefeceu um pouco, porém a intolerância continua em alta. Uma confissão ligeira: nunca compreendi o fato de, a despeito do extenso know-how em práticas exorcistas, nunca terem obtido sucesso em afastar a única entidade cujo nome foi revelado por Jesus: Mamom.



Uma nova história


A despeito do sucesso empresarial, a comunicação tem sido um calcanhar-de-aquiles na organização. Sobram números e falta influência, num simulacro perfeito do que acontece com o povo de Deus. Por exemplo, publicam o jornal com maior tiragem do país e raramente uma linha ultrapassa as fronteiras dos templos de gosto duvidoso.


No ano passado, toda a mídia fez estardalhaço com o lançamento de “O Bispo: a história revelada de Edir Macedo”, publicado pela Larousse. Diretor de jornalismo da TV Record, Douglas Tavolaro incorporou o espírito “reescrevinhador” de Ali Kamel e amalgamou novas versões para cada uma das nódoas com veleidades e irrelevâncias sem-fim. Entidades ecológicas deveriam protestar com o destino triste de tantas árvores. O livro não vendeu o esperado nas livrarias e, claro, fez sucesso nos templos da igreja.


É provável que um livro de receitas de dona Ester (esposa de Macedo) obtivesse o mesmo patamar de vendas. Ao menos, seríamos poupados da constrangedora tentativa de transformar Macedo em mártir por conta de sua prisão em 24 de maio de 1992. Os mártires do cristianismo não merecem tamanho vitupério.


A lua-de-mel com a mídia durou somente o período em que a igreja obteve espaços generosos para divulgar a obra soporífera e chapa-alva de Tavolaro. Atualmente, chamar a denominação de “seita” já é suficiente para render um processo contra quem cometeu tal “heresia”. Penso que deveriam se preocupar bem mais com as palavras que irão ouvir naquele dia em que os bodes serão separados das ovelhas.


No poema “O guardador de rebanhos”, Alberto Caeiro afirma que “pensar é estar doente dos olhos”. Que o Eterno Guardador do rebanho continue velando e abençoando cada uma das dedicadas ovelhas de seu pasto universal. Afinal, nas palavras do poeta “a única inocência é não pensar...”.


este é o texto que deve ser publicado na próxima edição da revista Eclésia. Obviamente, duas páginas não são suficientes nem p/ tocar na superfície de um tema c/ tantas implicações.

Coloquei alguns links p/ quem quiser saber (e ver) um pouco +.

Fonte Pavablog

04/04/2008

Onde Está o Milagre?

Ricardo Gondim.

Estudo no Programa de Mestrado da Universidade Metodista de São Paulo. Ao lado do edifício Capa, onde temos aula, fica a Clínica de Fisioterapia; ali, a cada instante, encostam na calçada, diferentes veículos com portadores de deficiências motoras - paralisia cerebral, paraplegia e tetraplegia. Quando chegam, não dá para evitá-los. Apesar de alguns alunos tentarem virar o rosto, nitidamente constrangidos, brilha a nobreza resiliente de mães que carregam crianças no colo; idosos, mesmo arrastando os pés, mantêm sua dignidade.

Ainda não me atrevi a entrar na clínica, mas imagino a abnegação de médicos, enfermeiras e fisioterapeutas; vejo até suor pingando e mãos agarrando cavaletes e argolas com sacrifício. Sei que lá dentro a vida segue numa toada diferente.
Aquele entra e sai de deficientes deve ter sido responsável por acabar o meu encanto com as bravatas dos milagreiros, pois já não me maravilho com testemunhos de cura que a televisão e o rádio anunciam em larga escala.
Realmente, não me intrigo com declarações de que serão curados “pela fé" todos os doentes que comparecerem "à vigília da segunda-feira" ou "à corrente dos 348" ou "à cruzada pró evangelização do mundo".

A Igreja Presbiteriana de Fortaleza foi meu berço religioso. Em meus primeiros passos, pouco falávamos em cura já que éramos "tradicionais" - uma versão light, porém fundamentalista, do evangelicalismo. Quando alguém em nossa comunidade ficava doente, repetíamos que o verdadeiro crente não se resigna, mas pede: “Seja feita a tua vontade”.

Depois que passei por uma experiência pentecostal e falei em línguas (tecnicamente chamada de glossolália), tornei-me um pentecostal de boa cepa. Compareci a muitas conferências sobre cura divina; duas, patrocinadas por Morris Cerullo - Londres e San Diego. Fui evangelista associado da Cruzada Boas Novas, do missionário Bernhard Johnson. Interpretei o Jimmy Swaggart em sua turnê pelo Brasil – Morumbi e Maracanã - Swaggart cria e falava em milagre, embora não fosse propriamente um pregador de cura.

Portanto, não sou neófito ou incrédulo no que tange o transcendente. Sei todos os versículos, todos os raciocínios, que fundamentam a lógica de buscar-se uma solução sobrenatural para as enfermidades. Ninguém precisa converter-me a esse pacote. Sei citar Isaías 53, Marcos 16, 1Coríntios 12 e tantos outros textos.

Acontece que a dor do mundo me alcançou na calçada de uma clínica de fisioterapia; ali se escancarou a angústia de milhões de mães e o meu coração se fechou para as antigas lógicas milagreiras.

Mesmo quando me sinto inclinado a acreditar nos pregadores de cura divina, sou lembrado que multidões de meninos e meninas morrerão de HIV/Aids em países como Congo, África do Sul, Moçambique e Angola. Quando sou tentado a ser condescendente com os Cerullos, os Benny Hinns e os R. R. Soares da vida, com as suas interpretações literais da Bíblia, lembro-me do mal estar que muitos doentes podem estar sentido naquele exato momento como consequência de uma quimioterapia.
Quando ouço promessas de milagre a granel, pergunto: - Quem vai ajudar a adolescente que não tem namorado porque nasceu com uma doença genética que lhe desfigurou?

Minha questão é: os religiosos deveriam querer lidar com um mundo real, que precisa de grandes intervenções, não de panacéias. Um ministro do evangelho não tem o direito de pregar que, “em tese”, todos serão curados e depois dar de ombros para os que não receberam a bênção dizendo que faltou fé.

O verdadeiro cristão deve buscar intervenções divinas onde o sofrimento se mostrar mais agudo. Eu me disponho a ajudar qualquer evangelista que tenha peito para dar plantão na calçada da Universidade Metodista. Vou buscá-lo e prometo interceder ao seu lado. Sinceramente desejo que os mais seqüelados voltem para casa pulando de alegria.

Sei de antemão que ninguém virá. A maioria está interessada em propagandear prodígios com o intuito de prosperar seus empreendimentos religiosos. Caso acreditassem nas interpretações que fazem da Bíblia, se ajoelhariam nos corredores das clínicas de câncer infantil, nas hemodiálises e na infectologia dos grandes hospitais.

Precisamos de outras respostas para o sofrimento humano; os pressupostos desses evangélicos, que anunciam cura com tanto estardalhaço, não abarcam a complexidade do sofrimento universal.

Proponho que os prodígios do Evangelho sejam outros; que a presença de Deus se revele no serviço, no amor solidário e na compaixão. Que as mãos e os pés de Deus sejam as mãos e os pés dos que não fogem da dor alheia. Não conheço os profissionais que se dedicam naquela clínica de fisioterapia; tenho certeza, porém, que todos encarnam a possibilidade de um milagre.

Soli Deo Gloria.

02/04/2008

Sem Jesus de que adianta o céu?


Por Caio Fábio

Jesus não usou nem o céu e nem o inferno como elementos motivadores de conversões ou mudança de vida.

Ele fala de ver o Reino, e, para tanto, afirma ser necessário nascer de novo.

Ele diz que humildade, mente limpa de ódio e maldade; coração mantido sob autocontrole [manso]; um espírito ávido por justiça para o próximo; uma atitude permanente de busca de reconciliação em todas as coisas; e coragem para sofrer afrontas sem deixar de olhar para os céus com alegria e exultação — nos fazem herdeiros do reino dos céus, nos fazem filhos de Deus, nos tornam fartos, nos constituem herdeiros do galardão dos profetas, e, sobretudo, nos fazem ver a Deus.

Ele diz que é para amar a fim de sermos filhos do Pai que está nos céus. Manda-nos confiar pela mesma certeza de filiação ao Pai que nos ama.

E quando fala de juízo é sempre acerca dos que vivem sem misericórdia ou sob a inspiração do ódio ou da desfaçatez perversa. Entretanto, mesmo assim, sempre há um “e não sairá dali até que...” — mostrando a prevalência da misericórdia sobre o juízo.

Os homens são expostos ao inferno e ao juízo nas palavras de Jesus, mas nenhuma delas aparenta nos fazer crer que seria pelo medo que se amaria a Deus.

Para Jesus o inferno existe [seja qual for o significado dele]; porém, Ele diz que é somente pelo amor em fé é que se pode chegar a Deus. Assim, o inferno é uma constatação, mas não uma inspiração. Afinal, inspiração do medo só serve ao inferno, pois, pelo medo criam-se hipócritas; posto que é somente pelo amor que o coração tem correspondência com o todo da vida.

Céu é amar a Deus e ao próximo. Inferno é odiar o próximo e achar que Deus não é amor pelo ódio no qual a pessoa viva em relação ao próximo.

Quem ama conhece a Deus.

Quem não ama nunca conheceu a Deus, do mesmo modo como também aquele que odeia a outro homem.

É assim que é acerca do céu e do inferno.

Qualquer outra complicação vem do diabo!

Nele, que foi quem disse tais coisas,


Caio

Dois homens querem salvar a Terra de buraco negro criado em laboratório - Reportagem de Dennis Overbye (The New York Times)


The New York Times
01/04/2008Mais combates no Iraque.

Somália no caos.

As pessoas neste país não conseguem pagar suas
hipotecas e em alguns lugares agora as pessoas não conseguem nem mesmo comprar arroz.



"Valerio Mezzanotti/The New York Times Foto de 2007 mostra o acelerador gigante de partículas em uma caverna de Cessy, na França"
Mas nada disso e nem o restante das notícias preocupantes das atuais primeiras páginas importará caso dois homens, que estão impetrando um processo em um tribunal federal no Havaí, estiverem certos. Eles acham que um acelerador gigante de partículas, que começará a fragmentar prótons nos arredores de Genebra neste ano, poderá produzir um buraco negro que significará o fim da Terra -e talvez do universo.
Os cientistas dizem que é muito improvável -apesar de terem feito alguma checagem para se certificarem.
Os físicos do mundo gastaram 14 anos e US$ 8 bilhões construindo o Grande Colisor de Hádrons, no qual a colisão de prótons recriará energias e condições vistas pela última vez a um trilionésimo de segundo após o Big Bang. Os pesquisadores analisarão os destroços destas recriações primordiais em busca de pistas sobre a natureza da massa e de novas forças e simetrias na natureza.
Mas Walter L. Wagner e Luis Sancho argumentam que os cientistas no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em francês), subestimaram as chances de que o colisor possa produzir, entre outros horrores, um minúsculo buraco negro, que, segundo eles, devoraria a Terra. Ou que possa cuspir um "strangelet", que converteria nosso planeta a uma massa densa morta e encolhida de algo chamado "matéria estranha". O processo deles também diz que o Cern não forneceu uma declaração de impacto ambiental de acordo com o exigido pela Lei Nacional de Política Ambiental.
Apesar de soar bizarro, o caso toca em uma questão séria que tem incomodado acadêmicos e cientistas nos últimos anos -como estimar o risco de novas experiências inovadoras e a quem cabe a decisão de prosseguir ou não.
O processo, impetrado em 21 de março no Tribunal Distrital Federal em Honolulu, busca uma injunção temporária proibindo o Cern de prosseguir com o acelerador até que produza um relatório de segurança e uma avaliação de impacto ambiental. Ele cita o Departamento de Energia dos Estados Unidos, o Laboratório Nacional do Acelerador Fermi, a Fundação Nacional de Ciência e o Cern como réus.
Segundo um porta-voz do Departamento de Justiça, que está representando o Departamento de Energia, uma reunião foi marcada para 16 de junho.
Por que o Cern, uma organização de países europeus com sede na Suíça, deveria comparecer a um tribunal no Havaí?
Em uma entrevista, Wagner disse: "Eu não sei se vão aparecer". O Cern teria que se submeter voluntariamente à jurisdição do tribunal, ele disse, acrescentando que ele e Sancho poderiam ter processado na França ou na Suíça, mas para economizar as despesas eles acrescentaram o Cern ao processo aqui. Ele alegou que a injunção ao Farmilab e ao Departamento de Energia, que ajudam a fornecer e manter os imensos ímãs supercondutores do acelerador, desativaria o projeto de qualquer forma.
James Gillies, chefe de comunicações do Cern, disse que o laboratório ainda não tem nenhum comentário sobre o processo. "É difícil entender como um tribunal distrital no Havaí teria jurisdição sobre uma organização intergovernamental na Europa", disse Gillies.
"Não há nada novo sugerindo que o colisor é inseguro", ele disse, acrescentando que sua segurança foi confirmada por dois relatórios, que um terceiro está a caminho e estará sujeito a uma discussão aberta no laboratório em 6 de abril.
"Cientificamente, não estamos escondendo nada", ele disse.
Mas Wagner não está tranqüilizado. "Eles fazem muita propaganda dizendo que é seguro", ele disse em uma entrevista, "mas basicamente é propaganda".
Em uma mensagem por e-mail, Wagner chamou o relatório de segurança do Cern de "fundamentalmente falho" e disse que foi iniciado tarde demais. O processo de revisão viola os padrões da Comissão Européia de adesão ao "Princípio Precautório", ele escreveu, "e foi feito por cientistas que são 'parte interessada'".
Físicos de dentro e fora do Cern disseram que vários estudos, incluindo um relatório oficial do Cern em 2003, concluíram que não há problema. Mas para ter certeza, no ano passado o anônimo Grupo de Avaliação de Segurança realizaria uma nova revisão.
"A possibilidade de um buraco negro devorar a Terra é uma ameaça tão séria que a deixamos como tema de discussão para malucos", disse Michelangelo Mangano, um teórico do Cern que disse fazer parte do grupo. Os outros preferem permanecer anônimos, disse Mangano, por vários motivos. O relatório deles foi entregue em janeiro.
Este não é o primeiro processo de Wagner. Ele impetrou ações semelhantes em 1999 e 2000, para impedir o Laboratório Nacional de Brookhavem de operar o Colisor Relativístico de Íons Pesados. O processo foi indeferido em 2001. O colisor, que colide íons de ouro na esperança de criar o que é chamado de "plasma quark-glúon", opera sem incidentes desde 2000.
Wagner, que vive na Grande Ilha do Havaí, estudou física e realizou pesquisa de raios cósmicos na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e recebeu doutorado em Direito por aquela que é atualmente conhecida como Universidade do Norte da Califórnia, em Sacramento. Ele posteriormente trabalhou como diretor de segurança de radiação para a Administração de Veteranos.
Sancho, que descreve a si mesmo como um autor e pesquisador de teoria do tempo, vive na Espanha, provavelmente em Barcelona, disse Wagner.
Os temores apocalípticos têm um longo histórico, mesmo que não ilustre, na física. Em Los Alamos antes do teste da primeira bomba nuclear, Emil Konopinski foi encarregado da tarefa de calcular se a explosão incendiaria ou não a atmosfera.
O Grande Colisor de Hádrons é projetado para disparar prótons em energias de 7 trilhões de elétrons-volt antes de colidirem um contra o outro. Na verdade, nada acontecerá no colisor do Cern que não aconteça 100 mil vezes por dia pelos raios cósmicos na atmosfera, disse Nima Arkani-Hamed, um teórico de partículas do Instituto para Estudos Avançados em Princeton.
O que é diferente, reconhecem os físicos, é que os fragmentos dos raios cósmicos passam inofensivamente pela Terra quase à velocidade da luz, mas o que quer que seja criado quando os raios baterem de frente no colisor nascerá em relativo repouso para o laboratório, de forma que permanecerá ali e portanto poderia causar caos.
As novas preocupações são a respeito dos buracos negros que, segundo algumas variações da teoria das cordas, poderiam surgir no colisor. Esta possibilidade foi muito alardeada em muitos estudos e artigos populares nos últimos anos, mas seriam perigosos?Segundo um estudo do cosmólogo Stephen Hawking em 1974, eles evaporariam rapidamente em um vestígio de radiação e partículas elementares, portanto sem representar ameaça. Mas ninguém já viu um buraco negro evaporar.
Conseqüentemente, Wagner e Sancho argumentam em sua queixa, os buracos negros poderiam realmente ser estáveis, e um micro buraco negro criado pelo colisor poderia crescer, no final engolindo a Terra.
Mas William Unruh, da Universidade da Colúmbia Britânica, cujo trabalho explorando os limites do processo de radiação de Hawking é citado no site de Wagner, disse que ele não entendeu seu argumento. "Talvez a física realmente seja tão estranha a ponto de buracos negros não evaporarem", ele disse. "Mas realmente teria que ser muito, muito estranha."
Lisa Randall, uma física de Harvard cujo trabalho ajudou a alimentar a especulação sobre buracos negros no colisor, apontou em um trabalho no ano passado que buracos negros não seriam produzidos no colisor, apesar de que outros efeitos da chamada gravidade quântica poderão aparecer.
Como parte do relatório de avaliação de segurança, Mangano e Steve Giddings, da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, trabalharam intensamente nos últimos meses em um estudo que explora todas as possibilidades destes temidos buracos negros. Eles acham que não há problemas, mas relutam em conversar sobre suas conclusões até passarem pela revisão de seus pares, disse Mangano.
Arkani-Hamed disse, em relação às preocupações com a morte da Terra ou do universo, que "nenhuma tem qualquer mérito".
Ele apontou que devido à natureza aleatória da física quântica, há alguma probabilidade de quase qualquer coisa acontecer. Há uma probabilidade minúscula, ele disse, do "Grande Colisor de Hádrons criar dragões que possam nos devorar".
Tradução: George El Khouri AndolfatoVisite o site do The New York Timeshttp://www.nytimes.com/