08/08/2010

A Grande Camuflagem

Por Voltaire Schilling*

“Nós não contamos os corpos.”
General Tommy Franks, comandante em chefe do Comando Central dos Estados Unidos

Quando a câmara da televisão se aproxima da tragédia, só mostra um automóvel ou qualquer outra viatura totalmente retorcida ou ainda um prédio seriamente danificado. Por vezes, pedaços de metal fumegando. Uma voz nos indica que aquele atentado, por homem ou carro-bomba, provocou um número considerável de mortos e uma leva de feridos. E é só. Outra notícia nos indica que uma guarnição norte-americana fora atacada numa cidade qualquer do interior do Iraque ou emboscada numa montanha do Afeganistão, com significativas baixas.

Todavia nada vemos. Nenhuma cena ou foto nos mostra um fardado agonizando ou um civil destroçado em meio aos lençóis imundos de um ambulatório de Bagdá ou de Kandahar. Como também não nos dão a oportunidade de presenciarmos um sepultamento sequer.

Os Estados Unidos da América travam uma das mais longas guerras da sua violenta história (A guerra afegã, iniciada com a invasão de 2001, já superou em tempo a participação dos EUA na Primeira [dois anos], na Segunda [quatro anos] e na Guerra da Coreia [dois anos]), tendo em seu favor a Grande Camuflagem.

A mídia corporativa do país, por inteiro, com seus milhares de jornalistas e repórteres que trabalham nas grandes e pequenas redes que se espalham tentacularmente pelo país (além das Três Grandes, CBS, NBC e ABC, existem outras 20 mais) confabulou no sentido de cooperar com o Departamento de Estado, leia-se Pentágono, no sentido de não excitar a opinião pública interna contra a continuidade da guerra.

Não vemos um soldado sangrando ou em bandagens, nenhum deles amputado conduzido numa cadeira de rodas, como era comum ver-se durante a Guerra do Vietnã (1965-1975). Não há fotos mostrando as enfermarias repletas do Hospital Militar de Landstuhl na Alemanha, para onde os casos mais graves são transferidos. Como por igual não presenciamos pela televisão a cerimônia da bandeira sendo entregue à mãe ou viúva do soldado americano morto, e isto que eles já ultrapassaram os 5,3 mil (o dos feridos é de 36,8 mil).

O mais intrigante da operação da Grande Camuflagem é a integral colaboração das mídias aliadas (da alemã, da francesa, da inglesa, da italiana, da espanhola, e outras mais) no sentido de evitar que ‘imagens negativas da guerra’ possam vir a prejudicar os Estados Unidos no seu projeto de submissão do Afeganistão e do Iraque.

Folheie-se qualquer dos jornalões europeus e também nada se encontrará. É o maior paradoxo da historia da mídia ocidental. Todos são de países democráticos que advogam a liberdade de expressão e de imagem, dispondo de enormes recursos e equipamentos dos mais sofisticados ao tempo em que, em uníssono, abraçaram a causa do Pentágono em produzir uma guerra sem que apareçam feridos ou mortos, uma guerra sem sangue e sem destruição.



Fonte: ZH (zerohora.com)

* Historiador

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