24/05/2009

Tenho um escudo, e as palavras não me ameaçam -Caso Gilmar Rafael Yared




Na madrugada de 7 de maio, três dias antes do Dia das Mães, Christiane Yared, 49 anos, recebeu o caixão lacrado de seu filho de 26 anos, Gilmar Rafael Yared. Nunca viu o que restou dele após a brutal colisão, numa avenida de Curitiba, com o carro blindado do deputado Fernando Ribas Carli Filho, de uma família importante de políticos do estado do Paraná. Já está provado, pelo exame de sangue, que o deputado estava embriagado na hora do acidente. Além disso, Carli Filho tinha perdido o direito de dirigir desde julho do ano passado. Tinha 130 pontos na carteira e 30 multas, 23 delas por excesso de velocidade.




A mãe de Gilmar, pastora evangélica e empresária, dona de uma firma de bolos e doces, falou a Ruth de Aquino, para o blog Mulher 7×7, de ÉPOCA, sobre os seus últimos 15 dias, de luto. Seu choro se mistura a seu principal motivo de viver: a batalha para que a verdade seja estabelecida, e a justiça seja feita. “Quero o deputado Carli Filho fora das ruas, senão ele vai matar de novo”, diz Christiane. “Seu caráter está formado. Ele não é uma criança”.





O que sua vida se tornou nessas duas semanas, depois de perder seu filho?



Christiane – Eu não estou mais vivendo a minha vida. Hoje fui pela primeira vez ao local do acidente com meu esposo, comprei 26 rosas brancas (Gilmar tinha 26 anos), e fomos chorar, e nos ajoelhar. (neste momento, Chris – como é chamada – começa a soluçar e chorar ao telefone, e pede “desculpas”). Nos tiraram nosso pulmão, hoje a gente respira para os outros, para nossos outros filhos, para os filhos de nossos amigos, filhos dessas famílias todas que têm nos amado e consolado pelo Brasil todo. Eu nem chorei a morte de meu filho direito, porque se eu não agisse logo, ele é que seria “o drogado”, “o bêbado”, ele é que teria entrado na rua errada na hora errada.




Está provado que seu filho dirigia devagar na hora do acidente?



Christiane – Meu filho estava a 30 quilômetros por hora, a perícia nos avisou hoje. Os pneus estavam intactos. O carro do deputado Carli vinha a 190 quilômetros por hora, cortou o carro do meu filho ao meio, cortou o tampo do carro, cortou a cabeça de meu filho, que foi encontrada a 40 metros de distância, um filme de terror. Você pode imaginar as pessoas procurando no escuro, à 1h da madrugada, a cabeça de alguém? Um rapaz enorme, de 1m98? Foi um banho de sangue porque eles foram amassados pelo carro blindado e potente do deputado, um Passat alemão. O amigo de meu filho também virou uma massa humana. Do Gilmar, ficaram só os braços. Tudo muito triste, muito doído.




Hoje, sobre o que a senhora e seu marido mais conversam?



Christiane – A vida dos outros tornou-se o único sentido. Pensamos em vender tudo que temos para lutar pelos que ficaram. Temos a esperança de reencontrar nosso filho porque somos religiosos. Eu sou pastora evangélica, me converti há 14 anos. E também precisamos viver por nossos outros dois filhos, Danielle, de 29 anos, veterinária, e o Jonathan, 22 anos. Eles são uns amores, ela uma guerreira e ele, um tesouro. O Gil era a alegria, um raio de sol que entrava em qualquer lugar. Ele via a vida como um presente. Sorria e cumprimentava a garçonete, o pedreiro, o menino que pedia alguma coisa. Ele sempre tinha uma palavra para todos.




Como estão seus outros filhos após a perda do irmão?



Christiane – Os dois estão engajados nessa luta, vai ter uma passeata grande no domingo em Curitiba, um manifesto a favor da vida às 10h da manhã. Caminharemos até o parque mais próximo, vamos fazer o culto, vamos agradecer por estar vivos. Vamos pedir que seja feita justiça, que não haja impunidade, porque, para cada família que perde alguém assim e a causa fica impune, trata-se de um crime hediondo.




Muitas pessoas têm se solidarizado com seu drama?



Christiane – A cada dia, dezenas de pessoas entram no meu Orkut. Oitenta, 100 pessoas. Fora os que me telefonam. Um senhor me ligou da cidade em que o pai do deputado é o prefeito, Guarapuava, me avisando preocupado: a senhora está lidando com coronéis. Eu disse que estava tranquila, porque sou filha de um general, sou filha de Deus. Tenho um escudo, e as palavras não me ameaçam. Sou evangélica, mas católicos, espíritas, budistas, todos me abraçam, me consolam, é lindo porque para Deus não existe religião. Essa família brasileira é abençoada, esse povo brasileiro não tem igual no mundo. Religiões foram os homens que criaram. Sei que Deus está olhando para cá. As pessoas estão me sustentando em oração. Numa igreja em Mato Grosso do Sul, os membros estão em jejum há 12 dias. Pedem por nós. Leia +.




fonte: Época




Comentário do Sérgio Pavarini



meu choro foi tríplice:
- ao ver a dor da família, agravada pelas circunstâncias;
- ao imaginar os advogados da família de políticos garantindo que daqui a pouco todos esquecerão o caso e que o deputado sairá impune;
- ao constatar a desconexão do rebanho c/ a realidade. mobilizações só p/ "marchar p/ Jesus" ou defendendo princípios "morais".referindo-se às vítimas de tiranos, miroslav volf cita em "o fim da memória" uma frase de avishai margalit: "esquecer a morte deles seria o mesmo que tirar-lhes a vida pela segunda vez".








No nosso Brasil de memória curta basta lembrar alguns casos que a justiça pendeu para o lado do mais forte como no caso do filho do deputado e ministro dos transportes Odacir Klein (PMDB-RS), que atropelou, matou e fugiu sem prestar socorro o pedreiro Elias Barbosa de Oliveira Júnior, de 24 anos e depois teve o processo prescrito e acabou pagando cestas básicas. Poderia citar o jogador Edmundo, o dublê de cantor "Belo" que pelo poder e prestigio acabam saindo pela tangente em casos como este.


Mas me solidarizo com a família embora a justiça seja muito tardia neste país.






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