11/02/2008

Às voltas com o "teólogo" Satanás

O calendário desse ano nos fez ter uma mais curta estação lúdica (Natal-Carnaval) no Brasil. Mas, creio, deverá ter sido o suficiente para que muitos de nós tenhamos tirado férias, ou alguns dias de folga, para repouso, lazer, sociabilidade, festa, cuidado com a saúde, higiene mental, viagens etc. E, quem sabe, fizemos uma avaliação de pelas quantas andamos e/ou deveríamos andar.

Sempre iniciamos aquela estação ao final da Quadra do Advento (a primeira do Ano Cristão), com sua ênfase na Escatologia Messiânica, e o início da Quadra do Natal (com o Ano Novo e a Epifania, em datas diferentes nas Igrejas do Ocidente e do Oriente), com sua ênfase na Encarnação e na destinação universal do Messias. Terminamos, porém, na quadra pagã do Culto a Baco, na despedida da carne (Carne Vale).

A Quaresma, quadra que se inicia hoje no Ano Cristão, nessa “quarta-feira ingrata” para os fiéis de Baco, e “Quarta-Feira de Cinzas” para os fiéis de Javé: um momento de “saco e cinzas” (próximo do Yon Kipur dos judeus), nos vai preparando para os grandes temas da Salvação, para o lugar da Cruz e do túmulo vazio. A Quaresma antecede a Paixão, que antecede a Ressurreição, que antecede a Ascensão, que antecede o Pentecostes. Cada ano, como Igrejas históricas, procuramos refazer essa peregrinação existencial.

Em nossas férias, tivemos a oportunidade de usufruir dessa abençoada natureza que o Senhor agraciou o Brasil, enquanto, no globo todo, ela “geme” na esperança da sua redenção, numa “morte da terra”, para usar a expressão de Francis Shaeffer, em obra tanto pioneira quanto profética.

Nesse período os “nacionalistas” (agro-negócio, madeireiras, carvoarias) desmataram a Amazônia de um território maior do que o município de São Paulo. Obviamente que não devemos prestar a atenção aos índios, aos padres, ou aos missionários protestantes estrangeiros, que “querem tomar o que é nosso”... Ou seja, “nosso”, quer dizer “deles”.

Na estação lúdica as elites e as classes médias (inclusive evangélicas), curtiram, deslumbradas, os templos do consumismo (os seus cartões de crédito e cheques especiais revelam algum desconforto...) enquanto 40 milhões de brasileiros vivem esbeltos de sub-nutrição e 70 milhões enveredam pela obesidade da super-nutrição.

Como já se disse que o sono do segundo grupo é intranqüilizado pelo ronco da barriga do primeiro grupo. Mas, para sermos “bíblicos”, “por ventura sou eu guardador do meu irmão?”. A Igreja evangélica brasileira “cresceu”, a miséria e a violência não decresceram, pelo caráter mutilado da mensagem e da prática evangelizadora. Mea Culpa, Mea Culpa, Mea Máxima Culpa! “Senhor, tem piedade de nós!”.

O Messias não começou o seu ministério com prosperidade, mas com o deserto. É difícil entender que Ele tenha sido levado para lá pelo Espírito, e, justamente, para ser tentado pelo diabo. Mas o Messias começa o seu ministério pela obediência, pelo sofrimento, e, também, pela vitória, sendo, por fim, servido pelos anjos. Que caminho tão diferente daqueles confortáveis propostos pelo mundo de hoje, e, também, por Igrejas de hoje!O Messias inauguraria a Era dos Mártires. De Paulo a Luther King, cristãos louvaram na cadeia, e nas prisões escreveram páginas indeléveis da trajetória da Igreja. Não é que hoje não existam mártires em muitos países, mas as razões porque os “apóstolos” e “bispos” contemporâneos são detidos, não correspondem aos mesmos motivos espirituais. Afinal, Miami não é Patmos...

Algo que nos chama a atenção na leitura do Evangelho é o “conhecimento bíblico” de Satanás, e o fato de que ele teve a pretensão de tentar o Filho de Deus justamente citando a Bíblia. Esse não é um fato do passado. Não nos enganemos: o ataque ao Messias em nossos dias não vem apenas dos que fazem escárnio da Bíblia, mas pelos que – dentro e fora da Igreja – a citam, por conhecê-la, para corromper o povo de Deus e impedir ou distorcer a sua missão. O ex-anjo de Luz (“Lúcifer”), e os seus conscientes ou inconscientes seguidores, estão aí de Bíblia na mão, sutis, ensinando falsas doutrinas, corrompendo a Verdade, atentando contra a Unidade, sob a indiferença de muitos.

Não se prega mais, com a mesma clareza e a mesma ênfase, o Novo Nascimento. Não se ensina “todo o conselho de Deus”, mas apenas alguns. Não se cria comunidades novas de todas as gentes. Não se serve ao faminto. Não se chama Herodes de “raposa”. As confrarias de iguais, blindadas dos problemas do mundo e da Igreja, vão contentando a alienada e alienante espiritualidade burguesa, ou o legalismo reducionista, no fundo, auto-indulgente (pecado sério é o dos outros), ou, para os em declínio de hormônios, se dá oportunidade para uma saída honrosa para a castidade. O “teólogo” Satanás está satisfeito, porque domesticamos e selecionamos os textos bíblicos, atrelados ao espírito do século globalizado, à nossa cultura ou à cultura da Nova Roma.

Que o Tempo da Quaresma tenha densidade bíblica e espiritual para cada um de nós, seguindo os passos dolorosos de Jesus. Que a nossa cristificação não nos leve ao objetivo último de fazer crescer a Igreja, mas de promover o Reino de Deus – que é de paz como fruto da justiça – (que é a única razão para o crescimento da Igreja).

Quando o Reino não é promovido – apesar dos números – a Igreja não tem crescido. Um tempo não de desculpas menores para os pecados maiores, para as distorções das heresias, para a indiferença diante da miséria, para a promiscuidade com os poderosos, para a tragédia do dilaceramento do Corpo de Cristo em milhares de “denominações” (termo que, por não estar na Bíblia, não foi citado por Satanás, mas, temos certeza, dele recebe irrestrito apoio).

O Messias foi tentado por Satanás citando a Palavra, e o derrotou por conhecer mais a Palavra do que o príncipe das trevas.

Estamos, junto com a Sociedade Bíblica do Brasil, no “Ano da Bíblia”, e a Igreja será sarada por “engolir” esse Livro.

Dom Robinson Cavalcanti, bispo diocesano

Fonte Pavablog

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