15/02/2009

O buraco perfeito




Por Leonardo Boff

Ignace Ramonet, diretor do Lê Monde Diplomatique e um dos agudos analistas da situação mundial, chamou a atual crise econômico-financeira de “a crise perfeita”. Putin, em Davos, a chamou de “a tempestade pefeita’. Eu, de minha parte, a chamaria de “o buraco perfeito”. O grupo que compõe a Iniciativa Carta da Terra (M. Gorbachev, S. Rockfeller, M.Strong e eu mesmo, entre outros) há anos advertia: “não podemos continuar pelo caminho já andado, por mais plano que se apresente, pois lá na frente ele encontra um buraco abissal”. Como um ritornello o repetia também o Fórum Social Mundial, desde a sua primeira edição em Porto Alegre em 2001. Pois chegou o momento em que o buraco apareceu. Lá para dentro caíram grandes bancos, tradicionais fábricas, imensas corporações transnacionais e US$50 trilhões de fortunas pessoais se uniram ao pó do fundo do buraco. Stephen Roach, do banco Morgan Stanley, também afetado, confessou: “Errou Wall Street. Erraram os reguladores. Erraram as Agências de Avaliação de risco. Erramos todos nós”. Mas não teve a humildade de reconhecer:” Acertou o Fórum Social Mundial. Acertaram os ambientalistas. Acertaram grandes nomes do pensamento ecológico como J. Lovelock, E. Wilson e E. Morin”.


Em outras palavras, os que se imaginavam senhores do mundo a ponto de alguns deles decretarem o fim da história, que sustentavam a impossibilidade de qualquer alternativa e que em seus concílios ecumênicos-econômicos promulgaram dogmas da perfeita autoregulação dos mercados e da única via, aquela do capitalismo globalizado, agora perderam todo o seu latim. Andam confusos e perplexos como um bêbado em beco escuro. O Fórum Social Mundial, sem orgulho, mas sinceramente pode dizer: “nosso diagnóstico estava correto. Não temos a alternativa ainda mas uma certeza se impõe: este tipo de mundo não tem mais condiçãoes de continuar e de projetar um futuro de inclusão e de esperança para a humanidade e para toda a comunidade de vida”. Se prosseguir, ele pode pôr fim a vida humana e ferir gravemente a Pacha Mama, a Mãe Terra.


Seus ideólogos talvez não creiam mais em dogmas e se contentem ainda com o catecismo neoliberal. Mas procuram um bode expiatório. Dizem: “Não é o capitalismo em si que está em crise. É o capitalismo de viés norteamericano que gasta um dinheiro que não tem em coisas que o povo não precisa”. Um de seus sacerdotes, Ken Rosen, da Universidade de Berkeley, pelo menos, reconheceu: “O modelo dos Estados Unidos está errado. Se o mundo todo utilizasse o mesmo modelo, nós não existiríamos mais”.


Há aqui palmar engano. A razão da crise não está apenas no capitalismo norte-americano como se outro capitalismo fosse o correto e humano. A razão está na lógica mesma do capitalismo. Já foi reconhecido por políticos como J. Chirac e por uma gama considerável de cientistas que se os paises opulentos, situados no Norte, quisessem generalizar seu bem estar para toda a humanidade, precisaríamos pelo menos de três Terras iguais a atual. O capitalismo em sua natureza é voraz, acumulador, depredador da natureza, criador de desigualdades e sem sentido de solidariedade para com as gerações atuais e muito menos para com as futuras. Não se tira a ferocidade do lobo fazendo-lhe alguns afagos ou limando-lhes os dentes. Ele é feroz por natureza. Assim o capitalismo, pouco importa o lugar de sua realização, se nos EUA, na Europa, no Japão ou mesmo no Brasil, coisifica todas as coisas, a Terra, a natureza, os seres vivos e também os humanos. Tudo está no mercado e de tudo se pode fazer negócio. Esse modo de habitar o mundo regido apenas pela razão utilitarista e egocêntrica cavou o buraco perfeito. E nele caiu.


A questão não é econômica. É moral e espiritual. Só sairemos a partir de uma outra relação para com a natureza, sentindo-nos parte dela e vivendo a inteligência do coração que nos faz amar e respeitar a vida e a cada ser. Caso contrário, continuaremos no buraco a que o capitalismo nos jogou.


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